– por Paula Musique –
Recentemente, assisti ao espetáculo “Masterclass” escrito pelo estadunidense Terrence McNally, que tem como temática a vida da diva grega da ópera, Maria Callas (1923-1977), interpretada por Christiane Torloni.
BIOGRAFIA DE MARIA CALLAS
Nascida Maria Anna Sophie Cecilia Kalogeropoulos, em Nova Iorque, no ano de 1923, filha de pais gregos, a sua vida dentro e fora dos palcos fascinava o público, seja pela intensidade psicológica e plenitude vocal da interpretação de seus papéis, seja por sua polêmica vida pessoal. Em 1937, Maria Callas, sua mãe e irmã deixam os Estados Unidos e retornam à Grécia, devido às dificuldades financeiras e o divórcio dos pais. Lá, estudou canto no Conservatório de Atenas, com a soprano coloratura Elvira de Hidalgo. Com o reconhecimento de suas habilidades, ela passou a interpretar papéis importantes nos principais palcos da ópera no mundo.
O auge de sua carreira foi nos anos 50, quando era a rainha absoluta do legendário La Scala de Milão, seu palco-base. Ela era casada com o empresário Giovan Battista Meneghini, homem muito mais velho do que ela e que foi fundamental no sucesso de sua carreira, já há 10 anos quando em 1959 iniciou um caso de amor com o magnata Aristóteles Onassis (também grego e também casado), sua carreira desacelerou e sua voz tornou-se mais frágil. Ele a abandonou para casar com Jacqueline Keneddy, a viúva do presidente John Keneddy.
Seu timbre era considerado não muito “bonito” por alguns críticos que a comparavam com a beleza “convencional” no canto operístico; entretanto, o poder e profundidade de sua interpretação somados à musicalidade de seus fraseados minuciosamente executados lhe renderam o título de La Divina. Ela trazia os personagens à vida e foi a cantora lírica mais aplaudida e noticiada do século XX.
O fato de ser notícia nem sempre se devia a sua arte, mas sim às polêmicas de sua vida pessoal: os problemas que causava com maestros e cantores devido a seu temperamento forte e complicado, o affair com Onassis enquanto ambos eram casados, a relação complicada com sua mãe e a rivalidade com outras cantoras (principalmente com Renata Tebaldi). Ela era muito exigente consigo mesma e com os outros, chegando a ser rude e arrogante, às vezes.
Apesar de fazer algumas poucas aparições musicais no final de sua vida, em 1974 fez sua última turnê, com o tenor Giuseppe di Stefano.
Callas morreu sozinha em seu apartamento em Paris, em setembro de 1977.
“MASTERCLASS” – espetáculo de Terrence McNally
Nos anos 70, a soprano Maria Callas passava por um período delicado, pois o homem que amava, o multimilionário Onassis a trocara por Jacqueline Kennedy em além disso, sua voz já não era a mesma – uns dizem que o fato de ter emagrecido muito no meio de sua carreira afetou sua voz; já há especialistas que ao escutas suas interpretações dizem que percebem uma alteração vocal que pode ser consequência de uma doença degenerativa que provoca inflamação muscular e dos tecidos em geral, inclusive da laringe. Machucada no canto e na alma, La Divina buscava alívio e aceitou ministrar em 1971-72 uma série de aulas magna a 25 estudantes da Julliard School, importante escola de arte, localizada no Lincoln Center de Nova York.
Estas aulas lendárias foram acompanhadas, naquela época, por artistas, dentre eles o próprio cantor Plácido Domingo. E foi esta série de masterclasses que inspirou o dramaturgo Terrence McNally a escrever a peça Masterclass, encenada pela primeira vez na Broadway em 1995, o espetáculo foi vencedor de três prêmios Tony – que é o Oscar do teatro americano.
Com trechos de músicas de Bellini, Puccini e Verdi, a história acontece ao longo dos encontros com os alunos, que têm suas habilidades vocais testadas. Enquanto ministra as aulas, Callas faz reflexões sobre aspectos de sua vida, como a relação com Aristóteles Onassis e também com seu marido, além do desejo de ser mãe.
CRÍTICA MUSICAL: MASTERCLASS – com CHRISTIANE TORLONI
Dirigida por José Possi Neto, Masterclass não é uma biografia convencional. A trama se passa durante uma dessas aulas na Julliard School, pela qual o público fica conhecendo o nível de exigência, o perfeccionismo, a dureza, a franqueza, a elegância e até a arrogância (em alguns momentos) de Callas; tudo interpretada com muita solidez por Christiane Torloni.
A forma como a direção usa a plateia real como se fossem os alunos participando da aula é uma escolha certeira. Callas (Torloni) se volta para o público, questiona, chama para reflexão e crítica. Faz a plateia se sentir realmente numa masterclass. Os personagens dos estudantes são três, Julianne Daud, Paula Capovilla e Fred Silveira, que cantam acompanhados do ator-pianista Thiago Rodrigues e se deixam ser avaliados pela franqueza da diva.
Antes da encenação começar, a produção exibe um minidocumentário sobre a vida e a carreira da artista, contextualizando sua chegada até aquele período, o que faz com que a plateia consiga entrar mais no mundo de Callas após assistir cenas da vida da Callas real.
Geralmente, atrizes retratam Maria Callas de forma muito caricata, mas Torloni traz Callas à vida com mais naturalidade, mostrando que a atriz realmente estudou a personalidade e as nuances dos trejeitos da cantora. Torloni veste um terninho preto, usando um penteado cheio de personalidade. O cenário é simples e a peça intercala momentos da sala de aula com cenas de delírio de Callas, com imagens projetadas ao fundo e com áudios da Callas real sendo tocados, enquanto a diva divaga sobre tragédias de sua vida. A forma como Torloni interage com o seu echarpe demonstra o conhecido charme de Callas.
Torloni consegue deixar claro que a forma como Callas trata seus alunos é um espelho de uma alma abatida com um coração machucado por acontecimentos da vida pessoal e da carreira.
Torloni não canta em cena, entretanto consegue dominar o palco como diva, segura de si, firme e contagiante. Que presença de palco!
Para os amantes da música, principalmente àqueles da ópera, é um espetáculo que recomendo.
[curiosidade: a primeira versão brasileira, de 1996, teve Marília Pêra como Maria Callas]
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